Petrobras, partilha e preços

A participação da Petrobras nos leilões do pré-sal, que ocorrerá sempre que a empresa quiser elevar além dos 30% previstos em lei sua presença no bloco de operação, constitui a salvação do modelo de partilha, já que assegura que haverá sempre um consórcio licitante; mas representa também a condenação legal do regime. Este artigo discute as alterações legais aptas a resolver o problema, à luz do esforço empreendido pela empresa para liberar-se de políticas de governo inconciliáveis com sua boa gestão.

É razoável supor que a Petrobras só tenha decidido buscar o aumento de sua participação em Libra para assegurar que houvesse ao menos um consórcio licitante. A possibilidade de sua participação, no entanto, representa a condenação do modelo: ela é inconciliável com os princípios constitucionais que vinculam a administração pública na organização de processos de outorga à iniciativa privada – a começar do princípio da isonomia. Sendo a Petrobras sócia necessária e responsável pela operação, o licitante que conseguir presença em seu consórcio estará em melhor posição para avaliar as condições do negócio e terá, por definição, vantagem em relação aos demais potenciais concorrentes, que evitarão fazer lances tidos como excessivos pelo futuro operador.

O resultado é a redução do interesse dos concorrentes e com isso do caráter competitivo do leilão, que tende a se transformar em formalidade – mera chancela oficial para os entendimentos prévios liderados pela Petrobras. É espantoso: na esteira de Libra, as autoridades invocaram as negociações que precederam o leilão para defender seu caráter supostamente competitivo. A manutenção desse modelo significará a repetição da experiência: lance único, calibrado para atender as exigências mínimas do edital.

Ou o governo propõe nova mudança da lei, de forma a não lesar a Petrobras, ou respeita a lei em vigor

Há duas soluções para o problema e ambas exigem alteração da lei. A primeira é afastar a possibilidade de a Petrobras participar dos leilões; a empresa ficaria à espera do licitante vencedor e assumiria os 30% no bloco, que a lei lhe confere. A segunda, eliminar a exigência de que a empresa seja sócia necessária e operadora do consórcio, liberando-a para participar do leilão se julgar que isso consulta seus interesses.

O regime em vigor tem outro problema cuja solução exige alteração legal. A quantificação do excedente em óleo, que depende dos custos e investimentos que poderão ser computados no custo em óleo, decorrerá inicialmente de decisões no âmbito do comitê operacional do consórcio.

A PPSA fará a indicação de metade de seus membros e também de seu presidente – que por sua vez terá voto qualificado e poder de veto. O tema dos custos, determinante, depende assim de empresa estatal cujo objeto social se vincula à maximização da parcela de óleo que ficará com a União.

Há aqui potencial conflito de interesse que eleva a percepção de risco do investidor – e tende a reduzir o ágio proposto em relação à oferta mínima do edital. As prerrogativas que por via transversa a lei conferiu à PPSA foram também atribuídas – corretamente – à ANP; basta mantê-las com o órgão regulador.

O governo deveria ter o desassombro de propor as mudanças legais necessárias, sem o que não se justifica o regime de partilha. O objetivo de maximizar a receita da sociedade brasileira decorrente da exploração de campos com potencial de alta rentabilidade – justificativa da adoção do novo regime – poderia ser alcançado com as participações especiais, objeto do regime de concessão. O regime de partilha permite, é verdade, que a União receba sua parte em petróleo. Mas a lei lhe confere poderes para instituir estoque estratégico de petróleo e combustíveis; e o ritmo de extração do petróleo do pré-sal pode ser modulado em função do cronograma dos leilões, definido pelo governo.

As mudanças discutidas aqui têm a vantagem adicional de preservar a livre gestão da Petrobras – o que leva ao tema da nova política de preços de combustíveis, submetida a seu Conselho de Administração. Competência formal para controlar preços não há desde 31 de dezembro de 2001, mas o governo o faz valendo-se da condição de acionista controlador. Os enormes prejuízos são conhecidos – em primeiro lugar à própria empresa, que importa combustíveis para depois revendê-los a preços mais baixos. No passado essa prática gerava um crédito perante o Tesouro, cujo saldo final foi objeto de um bilionário acerto de contas em 2001, como mandou a Lei do Petróleo. Mas já não há conta-petróleo, nem base legal para ressarcimento pelo erário: o prejuízo é irreversível. Também perdem os detentores de ações e ADRs da Petrobras e produtores de combustíveis concorrentes, que não conseguem competir com a gasolina subsidiada. O estrago causado à indústria do etanol é um desastre histórico, o desarranjo da indústria do GLP também.

Aspecto menos discutido é o risco de responsabilização que a política atual representa para a empresa, seus administradores e controlador. Governo e Petrobras negarão a existência da interferência e manterão o discurso de que a política da empresa é de não alinhamento automático ao mercado internacional, sujeito a volatilidade indesejada. Diante de provas da interferência, o governo diria que proteger os interesses do consumidor quanto a preço é um objetivo da política energética nacional, previsto em lei. Os prospectos de emissão de valores mobiliários da Petrobras contêm, efetivamente, alerta nesse sentido.

Mas trata-se de situação indefensável e insustentável: para assegurar preços livres e mercado competitivo foi mudada a Constituição e aprovada a Lei do Petróleo. Ou o governo propõe ao Congresso nova mudança da lei – para recriar o controle de preços e também uma conta-petróleo, de forma a não lesar a Petrobras, seus acionistas e concorrentes; ou respeita a lei em vigor – e ela manda promover a livre concorrência e incrementar a participação dos biocombustíveis na matriz energética.

(Fonte: Valor Econômico/Bolívar Moura Rocha e Alexandre Ditzel Faraco são sócios de Levy & Salomão Advogados)

http://www.portosenavios.com.br/industria-naval-e-offshore/21942-petrobras-partilha-e-precos

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