O pré-sal brasileiro e a soberania no mar

À luz da geopolítica, e em face de possíveis consequências a prazos mais longos, a interpretação de analistas, repercutida na imprensa, de que as estatais chinesas teriam decidido participar do leilão de Libra principalmente para melhor conhecerem as reservas do pré-sal brasileiro não deixa de ser preocupante. Não, necessária e unicamente, em função de um possível risco China, mas porque tal hipótese reforça a percepção de que o potencial de riqueza no mar brasileiro vem ganhando significativo espaço na pauta de interesses em vários centros de poder no planeta.

Por todos os motivos, há indícios de sobra para que o Brasil se acautele diante do quadro que se desenha, já há alguns anos, em relação aos direitos de soberania do país no mar. Cumpre evocar, nesse contexto, o nome do eminente brasileiro Alexandre Tagore Medeiros de Albuquerque, conhecido na Marinha como Comandante Tagore, falecido em 2011, com notável participação na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

O Comandante Tagore, entre outras importantíssimas funções de representação do Brasil em fóruns internacionais, foi, por dois mandatos consecutivos, presidente da Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU.

Em inúmeras ocasiões, Alexandre Tagore (também um dos autores do livro A Amazônia Azul, o mar que nos pertence) nos alertou acerca da vulnerabilidade dos direitos do Brasil sobre a chamada Zona Econômica Exclusiva e a plataforma continental, limitadas, respectivamente a 200 e 350 milhas a contar das linhas de base da costa. É nesse espaço que se situa a totalidade das reservas do nosso pré-sal.

Lembrava Tagore que os direitos de soberania sobre esse espaço no mar não constitui princípio aceito pela totalidade das nações. Vários países são não aderentes ao acordo, ou seja, não subscreveram ou ratificaram adesão à Convenção da ONU, sendo o mais importante deles os Estados Unidos da América, que limitou sua concordância ao acordo de pesca. O que, obviamente, não quer dizer que a posição norte-americana tenha, necessariamente, algum vínculo com interesses maiores no pré-sal brasileiro.

Já a China, por seu turno, diga-se, de passagem e a bem da verdade, é signatária e ratificou o acordo. Em suma, tal quadro, obviamente, apresenta um potencial de contenciosos que, em nada, interessa ao nosso país.

Não custa lembrar que o Brasil já foi protagonista de, pelo menos, dois episódios envolvendo conflitos no mar no âmbito das 200 milhas, por coincidência os dois com a França: o primeiro, conhecido como a Guerra da Lagosta, que em 1962 quase nos levou ao conflito armado, quando – após o apresamento de barcos de pesca franceses pela Marinha brasileira, nas águas do Nordeste – ambos os países deslocaram navios de guerra para a região; o segundo episódio, em 2005, quando o navio-patrulha Guarujá apreendeu, ao largo do litoral do Amapá, o barco de pesca francês Yannick 2.

Obviamente, em situação de paz mundial, nenhuma nação se aventuraria a, por exemplo, colocar uma plataforma de exploração ou produção de petróleo em águas da Zona Econômica Exclusiva do Brasil. Até porque, além de suas certamente gravíssimas consequências (independentemente das condições militares do Brasil para se defender adequadamente de uma hipotética agressão desse tipo), tal medida iria requerer uma base de apoio logístico em terra próxima, ou um aparato flutuante de proporções inimagináveis.

Contudo, como é incerta a viabilidade da substituição, em larga escala, dos hidrocarbonetos por outras fontes de energia, nas próximas décadas, tais dificuldades de exploração de petróleo e gás na Amazônia Azul por outros países, à nossa revelia, não constituem garantia suficiente de tranqüilidade em relação aos riscos da cobiça externa. Possa ela vir a se manifestar a partir do Oriente ou do Ocidente. Pouco importa.

E, obviamente, mesmo que todos os países reconhecessem os direitos de soberania sobre a Zona Econômica Exclusiva e a plataforma continental, tal ameaça não cessaria em caso de conflito armado. Isto porque, se, na prática da guerra, os contendores invadem ou tentam invadir o território terrestre inimigo, com mais facilidade e razão, invadirão ou tentarão tomar ou destruir o que exista de importante no mar, haja lá a convenção e as assinaturas que houver.

Por outro lado, restaria alguma dúvida quanto às razões da decisão das gigantes americanas Exxon e Chevron, e das britânicas BP e BG, de ficarem fora do leilão de Libra. Será que a explicação dessa desistência se esgota na excessiva interferência estatal, nas incertezas regulatórias e nos altíssimos investimentos requeridos no pré-sal brasileiro? Ou haveria, além dessas, outras razões?

Pelo visto, ao menos uma conclusão parece óbvia: a de que, ao contrário dos chineses, essas gigantes não estão dispostas a fazer grandes investimentos para conhecer, nos detalhes, nossas reservas no pré-sal. Uma das hipóteses cabíveis para explicar tal postura é a de que, por qualquer razão, elas não tenham mesmo interesse algum nesses campos petrolíferos. Outra é a de que elas já possuam todas as informações de que julgam precisar sobre nossas reservas de petróleo no mar.

(Fonte: Monitor Mercantil)

http://portosenavios.com.br/geral/21938-o-pre-sal-brasileiro-e-a-soberania-no-mar

 

 

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