ARTIGO: Novo banco de desenvolvimento, publicado no jornal VALOR ECONÔMICO, em 21 de agosto de 2014

Os países emergentes e em desenvolvimento ampliaram suas participações no produto interno bruto e na dinâmica de crescimento global. Algumas economias emergentes, inclusive os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), acumularam enormes volumes de reservas internacionais. Grande parte desses recursos, no entanto, permanece alocada em ativos com baixos rendimentos nos países desenvolvidos.

Ao mesmo tempo, há grande carência de financiamento para infraestrutura e empreendimentos ambientalmente sustentáveis nos países emergentes e em desenvolvimento. Estima-se a necessidade de US$ 1 trilhão por ano, acima dos montantes passíveis de serem disponibilizados pelas atuais instituições financeiras.

O fato de os líderes dos Brics terem anunciado na Cúpula em Fortaleza a criação de um banco para financiar a infraestrutura e o desenvolvimento sustentável constitui, portanto, uma decisão auspiciosa. Tal instituição deve ser complementar – e não substituta -, às instituições financeiras existentes, sejam públicas, sejam privadas.

Todavia, a escala dos empréstimos do banco Brics precisa ser grande o suficiente para resultar em um impacto significativo, dadas as necessidades identificadas. Além disso, o impacto de um banco Brics deve ser medido em termos de sua capacidade de alavancar, por meio do co-financiamento de projetos com o setor privado e o setor público. Os bancos nacionais, regionais e multilaterais de desenvolvimento devem ser parceiros naturais.

Outra questão importante é a qualidade dos empréstimos. Há um “trade-off” potencial entre a velocidade de crescimento da carteira e a qualidade dos créditos. Embora a escala das operações seja indubitavelmente importante, a qualidade dos empréstimos é prioritária, visto que maximiza o impacto dos projetos e minimiza o risco de inadimplência. Também é relevante que o banco Brics obtenha lucros em suas operações, que devem ser reinvestidos, permitindo a expansão do capital e, por conseguinte, dos empréstimos.

O grau de “sofisticação” dos instrumentos financeiros utilizados constitui outro tema relevante. Primeiro, quanto mais complexos os produtos, mais tempo requerem para serem concebidos e implementados. Os empréstimos “baunilha” podem ser realizados mais rapidamente do que operações com estruturas mirabolantes. Transações envolvendo ações (equity) tomam ainda mais tempo (embora tenham características desejáveis, como capturar a parte mais rentável dos projetos). Segundo, a crise no Atlântico Norte demonstra que a complexidade muitas vezes gera opacidade, maiores riscos e perdas futuras. Assim, o banco Brics deveria evitar correr riscos puramente financeiros que podem desencadear perdas significativas.

Pelo acordo de Fortaleza e informações divulgadas, o banco Brics terá capital total de US$ 100 bilhões. No início, serão subscritos US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os cinco sócios. Mas serão integralizados apenas US$ 2 bilhões. Após sete anos, os US$ 10 bilhões de cada país membro serão consolidados. O banco Brics corre, então, o risco de crescer de forma um pouco lenta.

Partindo do capital total de US$ 100 bilhões, sendo 20% alocados, o estoque de empréstimos poderia – de acordo com estimativas preliminares – atingir, depois de 20 anos, até US$ 350 bilhões, equivalente a cerca de US$ 34 bilhões anuais. Esse montante poderia ser utilizado para fomentar projetos de investimentos de pelo menos US$ 68 bilhões anualmente, dado que poderiam ser co-financiados por investidores e bancos públicos e privados. Um volume maior do que os empréstimos do Banco Mundial para infraestrutura.

Parece desejável que os Brics criem um banco comandado pelos cinco sócios, uma vez que negociações mais amplas podem ser longas e complexas. Contudo, deixar em aberto a opção de se ampliar o número de membros, prevendo esta ampliação na própria criação do banco, constitui uma boa solução. Isso porque agregar a contribuição de países não membros dos Brics (emergentes, em desenvolvimento e desenvolvidos) no capital – seja no início, seja após a sua criação – pode amplificar sua capacidade de empréstimo. Outra solução plausível seria contar com os recursos dos fundos soberanos dos países.

O Novo Banco de Desenvolvimento deverá conceder empréstimos tanto para países membros dos Brics como para outros países em desenvolvimento. Será desejável construir uma carteira equilibrada de empréstimos que inclua países de média e de baixa renda, de diferentes regiões. Por um lado, países de renda média podem ser mais solventes do que os de baixa renda. Por outro, asseguram-se os benefícios da diversificação geográfica, possibilitando mais credibilidade ao banco.

O banco Brics constituirá uma adição valiosa à rede de bancos de desenvolvimento nacionais, regionais e multilaterais. A prática revela que bancos de desenvolvimento multilaterais e regionais executam melhor suas funções, inclusive o fomento produtivo e em infraestrutura, quando operam em parceria com os bancos nacionais de desenvolvimento, uma vez que detêm maiores conhecimentos sobre as economias locais. Do mesmo modo, os bancos nacionais de desenvolvimento podem operar melhor se tiverem o apoio técnico e financeiro de bancos como o dos Brics.

Inicialmente, poderá beneficiar-se da experiência do Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Banco Europeu de Investimento em âmbito regional; do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, da Corporação de Desenvolvimento Industrial da África do Sul e do Banco de Desenvolvimento da China em âmbito nacional.

Enfim, o desenvolvimento de grandes e eficientes instituições – como deveria ser o banco Brics -, oferece uma plataforma valiosa para se avançar nas reformas da arquitetura financeira internacional e favorecer as economias emergentes e em desenvolvimento. A dimensão das novas instituições e a velocidade em estabelecê-las podem fortalecer a voz e incrementar o poder de barganha potencial destes países para promover uma verdadeira reforma na ordem global.

Stephany Griffith-Jones é Diretora de mercados financeiros da Iniciativa para o Diálogo de Política Econômica da Universidade de Columbia.

Barbara Fritz é professora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.

Marcos Antonio M. Cintra é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

 

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