Gás de xisto atrai investimentos para indústria química dos EUA

A exploração de gás não convencional nos Estados Unidos provocou a retomada dos investimentos de diversos elos da cadeia industrial e tornou o país um dos principais polos de atração de recursos da indústria química e petroquímica global, combinando um mercado consumidor relevante e matéria-prima abundante e barata. “Há seis anos, ninguém falava em novos investimentos nos Estados Unidos, com as empresas indo para a China e para o Oriente Médio, por conta do alto custo de produção. Hoje esse cenário mudou totalmente”, afirma Calvin M. Dooley, presidente do Conselho Americano de Química (American Chemistry Council – ACC), que participou do 19º Encontro Anual da Indústria Química (Enaiq), realizado em São Paulo este mês.

Um levantamento realizado em novembro pela associação, que representa cerca de 85% da produção química americana, aponta que existem 215 projetos com US$ 132 bilhões em potenciais investimentos que poderão sair do papel nos próximos anos nos Estados Unidos. O montante é US$ 72 bilhões maior que o previsto há um ano. Cerca de 60% dos investimentos deverão ser feitos por empresas estrangeiras. “Temos capacidade de suprir gás por 30 anos a preços competitivos, isso é uma vantagem gigantesca, em um momento em que Europa e China ainda estão atrás na exploração de gás não convencional”, destacou.!A China ainda terá de construir sua malha de gasodutos, além de iniciar a exploração de gás não convencional em grande escala. No Oriente Médio, a infraestrutura também é obstáculo. “O Brasil tem recursos para ser um player importante no mundo, desde que haja política para isso”.

O preço do gás, metade do que custa o europeu, tem feito indústrias têxteis voltarem a produzir em solo americano e foi um dos fatores que levaram três fabricantes de pneus decidirem por instalar novas fábricas nos Estados Unidos. “A cadeia têxtil começou a voltar para os Estados Unidos, o que era impensável há mais de 15 anos, e estamos com um custo de energia quatro vezes mais competitivo do que o da Índia”.

Até 2023, segundo estimativas da entidade, devem ser investidos US$ 91 bilhões em novos produtos químicos nos Estados Unidos, o que deve render pouco mais de 700 mil empregos. Esses recursos irão provocar outros US$ 274 bilhões em diversos elos da cadeia industrial – da têxtil a de autopeças, o que terá impacto sobre o PIB e a geração de empregos na economia americana. O preço do gás na Europa custa três vezes mais que o americano e a eletricidade é o dobro. “Isso nos dá grande competitividade”.

Para ele, os Estados Unidos tiveram uma regulação eficiente que permitiu que o gás de xisto tivesse impacto sobre a economia e havia um grande conhecimento geológico do subsolo do país. A legislação permitiu acesso a reservas de gás não convencional e assegurou infraestrutura para escoamento da produção. Já as leis estaduais também deram flexibilidade. Segundo estudo do professor Edmar de Almeida, da UFRJ, em mais de 100 anos de indústria de óleo já foram perfurados mais de 5 milhões de poços de petróleo nos Estados Unidos.

No estudo, Almeida aponta que o processo de licenciamento é célere o bastante para se perfurar e fraturar milhares de poços por ano. Em 2011, o órgão regulador do Texas autorizou a perfuração de 22.480 poços. O escoamento e comercialização da produção são facilitados pela existência de uma extensa rede de gasodutos e distribuição e transporte (aproximadamente dois milhões de quilômetros de dutos), com regras de livre-acesso e um mercado liberalizado.

A exploração de gás não convencional provocou uma revolução nos Estados Unidos. Segundo estudo da Deloitte, publicado nos Estados Unidos este ano, o acesso aos hidrocarbonetos presos em formações rochosas fez a produção de petróleo americana pular de cinco milhões de barris por dia em 2008 para 7,4 milhões de barris por dia cinco anos depois, a maior expansão quinquenal da história daquela economia. Esse movimento coincidiu com uma queda da demanda de petróleo e seus derivados dos EUA, de 22 milhões de barris por dia em 2005 para 18,9 milhões barris diários em 2013. O déficit comercial relacionado ao setor de petróleo despencou de US$ 386 bilhões em 2008 para US$ 232 bilhões.

Além de melhorar as contas externas, a exploração de gás não convencional tem atraído diversas indústrias para os Estados Unidos, de olho no preço do gás, que está chegando ao mercado a US$ 4 o milhão do BTU, enquanto no Brasil as indústrias chegam a pagar mais de três vezes esse valor. Isso poderá provocar uma mudança geopolítica de investimentos na cadeia química e petroquímica, que poderá fincar bandeiras cada vez mais sólidas nos Estados Unidos. A produção de etileno está em 27 milhões de toneladas nos Estados Unidos e deve ter um acréscimo de 11 milhões nos próximos cinco anos. No Brasil, a produção está em quatro milhões de toneladas.

(*) Texto publicado originalmente no jornal VALOR ECONÔMICO, de 17 de dezembro de 2014

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