Braskem planta o seu futuro, publicado originalmente na revista Isto É Dinheiro, em 1º de Maio de 2014

A visão de uma árvore gigante, provavelmente uma figueira, impressiona os visitantes e funcionários na entrada do quartel-general do Grupo Odebrecht nos arredores do bairro do Butantã, em São Paulo. Sobre a imagem, feita ali perto pelo fotógrafo Edu Simões num bosque da cidade universitária da USP, paira o significado da palavra ybytatá, que batizou o local e se transformou em Butantã ao longo dos séculos. Em tupi, a expressão indígena quer dizer terra dura e socada. A mensagem faz sentido com o passado da família Odebrecht. E, também, com seu futuro. Originalmente, o grupo fundado pelo engenheiro pernambucano Norberto Odebrecht na Bahia desafiou a terra dura a partir da construção civil.

Mas foi além e fincou raízes em outros setores ligados ao desenvolvimento econômico, expandindo sua copa para 16 negócios que hoje faturam quase R$ 100 bilhões por ano, da infraestrutura à petroquímica, no Brasil e no Exterior. Os cinco últimos andares do prédio no edifício no Butantã são ocupados pela controlada Braskem, a grande campeã do setor de química e petroquímica nas três últimas edições do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO. Lá de cima, a visão do recente desenvolvimento da maior metrópole do País, às margens do rio Pinheiros, é arrebatadora, com toda a beleza e o caos da vida moderna.

Prédios arrojados, aviões que cruzam os ares, carros parados no trânsito, helicópteros que levam e trazem banqueiros e executivos, o vaivém da massa trabalhadora nos ônibus, nos trens e nas ruas. Nesse cenário, os empresários Emílio Odebrecht e Marcelo Odebrecht, filho e neto do fundador, comandam a expansão futura do grupo para outras paragens. Lá do alto, olham bem longe e veem a terra socada e dura dos Estados Unidos, do México e do Rio de Janeiro, ávida por desbravadores como eles. E não deixam o presidente da Braskem, Carlos Fadigas, 43 anos, baiano de Salvador, descansar à sombra. Nem por um minutinho.

Fadigas e sua equipe têm diante de si três projetos grandiosos destinados a garantir à Braskem o acesso a novas e abundantes fontes de gás, uma matéria-prima mais barata que a nafta, derivado de petróleo usado pela empresa na produção de resinas para a fabricação de plástico. Trata-se das três novas operações à base de gás, concebidas para que a companhia possa surfar como ninguém as novas ondas sísmicas que vêm das profundezas da terra e prometem abalar o panorama competitivo da indústria global, cada qual a seu tempo: a exploração do shale gas, nos Estados Unidos, e a do gás do pré-sal, no Brasil. Cada uma dessas ondas pode produzir uma riqueza estimada em US$ 3 trilhões, sendo que os americanos saíram na frente e estão bem mais adiantados na exploração do novo gás e na infraestrutura do que os brasileiros.

Lá, o preço desse combustível caiu de cerca de US$ 12 para US$ 4 por milhão de btu (a medida do produto) nos últimos seis anos, em razão do aumento da oferta do shale gas (ou gás de folhelho, conhecido no Brasil como gás de xisto). Obtido por meio do fraturamento hidráulico de rochas a mais de mil metros de profundidade no solo, o produto tem sido apontado como o responsável pelo renascimento da indústria americana. O gás mais barato elevou brutalmente a competitividade das indústrias petroquímicas e das de transformação e atraiu de volta aos Estados Unidos empresas que haviam migrado para a Ásia.

“Cinco anos atrás, todo mundo falava que a indústria iria desaparecer nos Estados Unidos. Hoje, todo mundo fala sobre a bonança do shale gas e seu impacto positivo na economia americana”, diz Fernando Musa, presidente da Braskem America, encarregado de liderar a expansão da companhia na terra de Barack Obama. Agora que a atual maior economia do mundo (a China deve ultrapassá-la em breve) finalmente volta a crescer, recuperando-se da crise devastadora de 2008, o shale gas aparece como a prova cabal de que Deus é americano, e não brasileiro, como se pensou na época da descoberta do pré-sal.

Dependentes crônicos do petróleo do Oriente Médio, os americanos agora vislumbram a autossuficiência energética, o que tem implicações geopolíticas consideráveis a longo prazo. Por que outro motivo os Estados Unidos ainda não invadiram a conturbada Síria, como fizeram no passado no Kuait e no Iraque? A resposta pode estar no shale gas e terá impactos imediatos no Brasil. Com o crescente déficit do País na balança comercial, de produtos químicos a manufaturados, as empresas brasileiras devem continuar sendo pressionadas pelas importações de concorrentes externos, de chineses a americanos. Por isso a Braskem também planta o seu futuro lá fora.

APOSTA OUSADA Com cinco fábricas nos Estados Unidos, a Braskem é a maior produtora de polipropileno daquele país e está em fase adiantada de estudos de viabilidade econômica e técnica para fincar novas estacas. Desta vez, sobre as reservas de shale gas no Estado de Virgínia Ocidental, no nordeste. Ela será “apenas” a operadora de uma planta integrada de eteno e polietileno construída pela Odebrecht Ambiental, para não onerar seu próprio balanço com as dívidas necessárias ao investimento. A estratégia é aproveitar o eteno mais barato oriundo do shale gas para produzir as matéria-primas que vende caro às indústrias de transformação do plástico utilizado na fabricação de milhares de produtos para uso industrial, no agronegócio e no varejo.

A área escolhida fica próxima das reservas de Marcello e Utica e de áreas industriais muito poderosas. “É uma aposta ousada, fora do circuito tradicional da petroquímica americana, baseada no Texas”, diz Fadigas à DINHEIRO (leia entrevista abaixo). “Estaremos mais perto dos fornecedores de um insumo barato e dos clientes, o que reduz nossos custos de logística”, diz David Peebles, diretor de relações institucionais do Projeto Ascent, como é chamado pela Odebrecht. O segundo projeto bilionário em fase avançada de estudos de engenharia – cada operação petroquímica pode custar mais de US$ 3 bilhões – tem como destino o polo petroquímico Comperj, no município fluminense de Itaboraí.

A Braskem precisa firmar um contrato de longo prazo para o fornecimento de gás com sua sócia ilustre, a Petrobras, antes de tomar a decisão final, em 2015. “Estamos negociando”, afirma Fadigas, sem dar detalhes. Se o pré-sal realmente decolar, como se espera no futuro, a Braskem será mais competitiva no Brasil, onde está sua maior base industrial. Desde já, porém, é no México, no Estado de Vera Cruz, que as obras da empresa estão a todo gás. Literalmente. Em sociedade com a mexicana Idesa (dona de 25% do projeto), a Braskem assegurou o fornecimento de gás com a petrolífera estatal Pemex, por 20 anos.

As quatro fábricas integradas do projeto Etileno XXI produzirão um milhão de toneladas de etileno e um milhão de polietileno anuais, para atender o mercado mexicano e exportar, a partir de meados de 2015. O investimento previsto é de US$ 3,2 bilhões e pode chegar a um custo total de US$ 4,5 bilhões, se somados os gastos de capital de giro, tecnologia e juros. Com 70% desse montante financiado, o projeto deve se pagar em sete ou oito anos, prevê Cleantho de Paiva Leite Filho, diretor da Braskem no México. “É um projeto muito rentável, que vai render por 15 a 20 anos, no mínimo”, diz ele. Nessa toada, a participação do gás na matriz energética da Braskem vai crescer de 16% em 2012 para 45% em 2018, roubando fatias da nafta.

A previsão, a partir de 2016, quando tudo estiver a plena carga, é vender metade da produção para o México e exportar a outra metade, a custos bem competitivos, para a América do Sul. O México, que nos últimos anos mudou a legislação, reduziu a carga tributária e criou um ambiente mais propício para atrair investidores externos na petroquímica, como a Braskem, agora colhe os frutos dessa política. “A infraestrutura no México é muito boa para o transporte, inclusive com conexão ferroviária para os Estados Unidos. Eles têm tratados de livre comércio com 44 países. É um ambiente muito competitivo para se estar”, afirma o executivo.

Competição pesada é o nome do jogo na Braskem. Com apenas 11 anos de vida, não foi à toa que atingiu um faturamento líquido de R$ 41 bilhões e tornou-se uma das melhores dentre as 1.000 maiores empresas do País, segundo o anuário AS MELHORES DA DINHEIRO. “É uma empresa tricampeã, que soube se manter no topo. Muitas vencedoras de anos anteriores não conseguiram isso”, afirma Miguel Ângelo Arab, consultor do guia da DINHEIRO, que avalia a gestão das companhias a partir de indicadores financeiros, de governança corporativa, recursos humanos, responsabilidade socioambiental, inovação e qualidade.

Os avanços da companhia nessas áreas mais do que compensaram o desempenho financeiro de 2012 (quando houve prejuízo líquido de R$ 731 milhões, revertido para um lucro de R$ 509 milhões em 2013). E qual é a meta de Fadigas e da família Odebrecht na petroquímica? Responde Fadigas: “Como toda empresa, nossa ambição é crescer e nos fortalecer o tempo inteiro. A concorrência neste setor é brutal. Competimos com empresas como a Exxon Mobil e a Shell, que faturam US$ 400 bilhões, US$ 500 bilhões. ” Os novos projetos de expansão refletem a ambição de estar entre as maiores do mundo e seguem a cartilha estratégica da Braskem, que é baseada em obter matéria-prima e energia competitiva, manter o foco no cliente e elevar a produtividade.

As investidas nos Estados Unidos, no México e no Rio de Janeiro reforçam os três principais vetores de crescimento implementados pela equipe de Fadigas: crescimento no mercado brasileiro, internacionalização com foco nas Américas e química renovável.
Para garantir esse último pilar, a companhia investe pesado em inovação tecnológica. Seus dois centros de pesquisa e desenvolvimento em Triunfo, no Rio Grande do Sul, e em Pittsburgh, nos Estados Unidos, trabalham sem parar para inovar. Até 2012, a Braskem havia depositado cerca de 650 patentes de novos produtos e tecnologias nos órgãos de registro. No ano passado, foram mais 110. A inclusão da empresa na lista das 50 companhias mais inovadoras de 2014, elaborada pela revista americana Fast Company, reflete esse ímpeto criativo.

O motivo da distinção, ao lado de companhias como Google, Nike, Netflix e Airbnb, foi o plástico verde, desenvolvido pela Braskem a partir de etanol de cana-de-açúcar, uma fonte renovável de energia. A novidade conquistou empresas preocupadas com a sustentabilidade, como Natura, Johnson & Johnson, P&G e Kimberly Clark, que passaram a utilizar o produto em suas embalagens. À vontade sobre a cadeira de plástico verde selecionada para a foto de capa desta edição, Fadigas finalmente teve uns minutos de descanso em sua rotina atribulada. Depois voltou com tudo para a lida em sua sala, no Butantã. Suas cartas (de plástico, claro) estão na mesa. E a terra, ali ou lá fora, é dura e socada.

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“Produzir nos EUA é 70% mais barato”

O presidente da Braskem, Carlos Fadigas, falou à Dinheiro sobre os desafios e projetos da empresa. Confira alguns trechos da entrevista.

O setor de etanol está sendo sufocado pela política de preços da gasolina. Valeu a pena o investimento no plástico verde?
Valeu. Química a partir de matéria-prima renovável é um caminho sem volta. Seria ideal se o Brasil tivesse seguido uma rota crescente de produção, com uma indústria pujante de etanol.

Dá para virar esse jogo ainda?
Vai depender da política de governo. O Brasil continua tendo tudo o que sempre teve para desenvolver essa indústria e ser competitivo. Terras, água, clima, mercado consumidor e um setor agrícola forte. Cabe ao governo dizer se interessa ou não desenvolver.

Como a Braskem vai surfar as duas novas ondas de energia, o shale gas e o pré-sal?
No México, partimos do zero e estamos erguendo quatro fábricas onde antes havia arbustos. Vai ser muito competitivo. Nos Estados Unidos, é mais interessante ainda. Nossa ideia é colocar a unidade industrial em cima do shale gas no campo de Marcellus.

É uma aposta ousada?
Um pouco mais ousada. No Nordeste americano, estaremos mais perto do gás e do mercado industrial, do cliente. É um hub novo.

Para isso dar certo, a economia americana vai ter de retomar?
Nossa aposta é mais baseada na oferta do gás por muito tempo do que na retomada da economia americana. O mais crítico nesse projeto é ter o gás. Nos Estados Unidos, o mercado é tão competitivo que conseguimos colocar o nosso produto em qualquer lugar, no Japão, na Ásia, na Europa, na América do Sul. O custo de produção é tão mais baixo que podemos tomar custo de transporte à vontade.

Quanto é mais barato produzir nos Estados Unidos do que no Brasil?
A partir da nafta, lá é 70% mais barato que no Brasil ou na Europa. Num setor industrial pesado como o nosso, dois ou três pontos percentuais a menos no custo fazem a diferença. Imagine 70% a menos! Por isso Exxon, Chevron e Dow estão construindo lá.

Pode haver excesso de oferta de polietileno, que macule um pouco as projeções dos investimentos?
Vai ter. A lógica desse mercado é global. É produto não perecível, com alto valor agregado: US$ 1,8 mil por tonelada. Sempre estamos comparando produção e oferta global. O preço no mundo deve cair quando todas as novas fábricas entrarem em operação. O cara do shale gas está menos preocupado que o da nafta, pois o custo de produção é muito mais baixo.

A Argentina tem grandes reservas de shale gas, mas lá os problemas econômicos são muito grandes para essa exploração avançar, não?
Concordo. Mas não é que a Argentina não vai conseguir. Quase ninguém, exceto os Estados Unidos, vai conseguir fazer isso com velocidade e rapidez. Tem mercado de capital, equipamento, direito de uso da terra, gasodutos. Olha a malha de gasodutos dos Estados Unidos (500 mil quilômetros) e olha a do Brasil (nove mil quilômetros).

Nessa toada, a Braskem vai virar uma empresa mais internacional do que brasileira?
A Braskem vai seguir se internacionalizando pelo tamanho que tem no Brasil. Aqui tem limite para o crescimento. Temos polietileno para atender à demanda toda do mercado brasileiro. Não adianta botar fábrica nova agora.

Na internacionalização, o que mais preocupa?
Nossas preocupações estão mais dentro de casa do que fora.

Quais são elas?
Várias. Primeiro, há um processo de desindustrialização no Brasil, que se vê pela produção industrial, pelos números de empregos na indústria, pela balança comercial de manufaturados. Segundo, o próprio crescimento da economia brasileira. Falamos em crescer 1,6%; o resto do mundo está crescendo a taxas mais altas. Terceiro, o cenário de energia de uma forma geral. São pontos que criam incerteza do ponto de vista macroeconômico.

Com o sucesso do shale gas, o pré-sal micou?
Acho que não. Mas o impacto positivo do pré-sal ficou menor.

 

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